terça-feira, 24 de novembro de 2009

Era uma vez uma porta

(a)
sou porta de vidro

(b)
sou humano
cabeça de martelo
e coração de pedra

vou em sua direção!

(a)
por favor não venha não!

(b)
eu me vou!
eu me vou! eu me vou!

sou reflexo de ódio,
estou repleto de mim

(a)
já que é assim…
não venha com toda
essa pressa
eu enxergo de longe
eu lhe entrego a chave
eu lhe ofereço amor

(b)
lembrei qu í….
eú não conversô com porta!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

(a)
eu… e..u, e...

plas, plunt, plac, pluf, plun…

(b)
era uma vez uma porta

passei….
e pronto
plac, plax, plun

passei como quem nem viu!
não vi mesmo!!

ouvi

o estrondo
nada senti

(a)
sou estilhaço
ex-porta de vidro
não volte a passar por aqui
ser humano
cabeça de martelo,
coração de pedra

temo pelos seus pés descalços


Lourenço Cardoso
(publicado In: Vários Autores (2007). Oficina de Poesia: Revista da Palavra e da Imagem 10 Anos. Coimbra: Palimage Editores, p. 81)

domingo, 22 de novembro de 2009

Os palestinos tornando-se judeus e a omissão de Barack Obama

Lourenço Cardoso
(texto escrito em 2009 publicado In: http://www.portalafricas.com.br/?pg=ver_artigo&id=237)

O presidente eleito Barack Obama tem se omitido em comentar o massacre vivido pelo povo palestino no território da Faixa de Gaza praticado pelo Estado de Israel. Assim como esperado, o governo do presidente George W. Bush apoiou os israelenses.
Porém nos chama a atenção, a atitude omissa do Srº Barack Hussein Obama que somente se restringiu em pronunciar que está preocupado com os mortos palestinos e israelenses, no entanto, não pode tomar nenhuma outra atitude, porque ainda não assumiu a presidência dos Estados Unidos.
Os judeus, um grupo étnico, que enfrentaram a tentativa de extermínio contra seu povo durante a Segunda Guerra Mundial, ao conquistarem um Estado-nação no Oriente Médio passaram a praticar crimes semelhantes aos praticados pelos alemães nazistas contra eles. Isto é, o Estado de Israel está matando mulheres, crianças, adultos, idosos, sem distinção, sempre com o apoio irrestrito do Estado norte-americano e inércia da Comunidade Internacional.
Obviamente, muitos israelenses também estão sendo mortos pelos palestinos, apesar de ser numa proporção menor. Sem dúvida, é igualmente condenável essas mortes, portanto, considero deplorável tanto o assassinato de judeus, quanto de muçulmanos, que ocorre durante anos neste infindável conflito no Oriente Médio.
Porém, o Estado norte-americano parece somente se importar com a morte dos judeus e, lamentavelmente, o novo presidente eleito indica que seguirá essa mesma linha de política internacional. Apesar de assegurar que se preocupa também com os palestinos, sua atitude, nesses dias, parece indicar que não pretende contrariar os interesses dos judeus norte-americanos e israelenses. O Srº Barack Obama poderia ao menos mencionar se seu governo continuará apoiando o Estado de Israel incondicionalmente, assim como ocorreu na administração Bush.
Durante a campanha eleitoral, Barack Obama se autodefiniu como mestiço, ou “marrom”, estratégia política que não impediu que ele fosse classificado como negro aos olhos do seu próprio país e do cenário mundial. Isto significa que, o ilustre ex-senador de Illinois, para inúmeras pessoas, pertenceria a um grupo de “minoria”; grupo “oprimido”.
Apesar de sua pertença étnica e racial, refiro-me as essas categorias como construto social, Barack Obama tem sido negligente diante do genocídio praticado por dois grupos considerados étnicos em seu próprio país, ou seja, os judeus e os muçulmanos. Isto é, o conflito no Oriente Médio pode ser considerado, com base nas teorias raciais e étnicas de língua inglesa e portuguesa, um conflito de um grupo étnico contra outro grupo étnico; “um grupo de minoria” contra “outro grupo de minoria”.
Grupo considerado de “minoria” étnica e racial, sobretudo, em sociedades racistas de territórios que vivenciaram tanto a colonização anglo-saxônica, quanto a colonização ibérica, contexto em que o Brasil e os Estados Unidos se encaixam.
Grupos que são considerados minoria nacionais, mesmo quando é controverso a constatação que os não-brancos sejam minorias, pelo menos quantitativa, em sociedades como a brasileira e, talvez, a estadunidense, assim como aduz o intelectual Stuart Hall[1].
Certa vez, acerca do conflito no Oriente Médio, José Saramago comentou o seguinte: a guerra israelenses versus palestinos lembraria a luta bíblica de Golias versus Davi. Entretanto, o Golias contemporâneo seria os judeus e o Davi os palestinos.
Por outras palavras, os poderosos tanques de guerras israelenses lutam contra as “fundas”, ou seja, as atiradeiras de pedra dos palestinos. Poucos discordam que a guerra é uma prática humana horrível, no caso do Estado de Israel, não se trata de guerra, e sim, de um ato de genocídio devido o desequilíbrio de forças bélicas entre os dois lados.
No conflito na Faixa de Gaza inúmeros “Davis” são assassinados; essas mortes são veiculadas minimamente pela televisão, para não estimular a revolta popular no mundo, cabendo aos celulares com suas máquinas fotográficas digitais tornar público pela Internet imagens de corpos mutilados e mortos, driblando as censuras.
Diante disso ousaria dizer que os israelenses, refiro-me somente aos responsáveis pela matança, podem ser visto, nos dias de hoje, como os alemães nazistas de outros tempos, e o povo palestino como os judeus de outrora, numa triste reinvenção do episódio do holocausto.

[1] Stuart Hall (2005), A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro, 10ª. ed. Rio de Janeiro: DP&a, pp. 82 - 83.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O branco de esquerda racista é mais dissimulado do que o de direita

Lourenço Cardoso
(texto escrito em 2003 publicado In: http://www.apropucsp.org.br/jornal/jornal_343.htm)

O branco de esquerda adjetiva-se subversivo, revolucionário e acusa o branco de direita de conservador, reacionário. Esquerda e direita discordam na maioria dos itens, sobre relação “racial” (étnica) suas opiniões, análises e reflexões são semelhantes. Como se explica o consenso de opinião sobre ação afirmativa?
Como se explica o pacto entre esquerda e direita? A conformidade entre ex-ministro da educação Paulo Renato e do atual Cristóvão Buarque? Como se explica a avaliação semelhante do professor do ensino infantil ao universitário? Como se explica a unanimidade dos intelectuais? Unanimidade que apenas diz: sou contra e pouco propõe.
Edith Piza e Maria Aparecida da Silva Bento (2002) remete-nos a estas reflexões: O que é ser branco na sociedade brasileira? Qual papel que o branco ocupou ou ocupa numa situação de desigualdade racial no Brasil? (Cf. “Psicologia Social do Racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento”). Quando se trata de questão “racial”, esquerda ou direita, rico ou pobre, carioca ou paulistano, corintiano ou palmeirense, universitário ou analfabeto, mulher ou homem, heterossexual ou homossexual deixam suas divergências de lado e tornam-se apenas brancos. Refiro-me excepcionalmente ao branco brasileiro.
No combate ao racismo tanto o branco de esquerda, quanto o de direita são conservadores. Talvez seja esta uma das razões da indignação e gritaria com a universidade que adota a política de ação afirmativa. Política que a mídia diminui: “a cota para negro”, e instiga a sociedade “ser contra ou a favor”. Como se explica o consenso da mídia? O branco ler jornal, revista, site, assiste tele-jornal, ouve rádio e critica. Questiona a seriedade, valores, ideologia e profundidade dos autores e veículos. Estranhamente sobre este assunto absorve as informações e ingenuamente repete a frase: “cotas sou a favor”, “cotas sou contra”. Como se explica esta leitura superficial?
"Mas o que estaria por trás das críticas às propostas de políticas voltadas para negros? Para a doutora em psicologia social pela Universidade de São Paulo (USP) Maria Aparecida da Silva Bento há uma espécie de luta silenciosa pela manutenção de privilégios. ‘Há um pacto não verbalizado entre os brancos a partir do momento da discussão das cotas como se os negros estivessem querendo mexer com um privilégio que sempre foi deles.(...) Maria Aparecida (...) é autora de uma tese sobre “branquitude e poder”. Ela diz que a idéia das cotas levou muitos brancos a passarem a pensar na sua "racialidade" e a defender os direitos do "branco pobre" e não apenas do pobre. E aí, segundo ela, se juntam tanto o branco dos sindicatos quanto o das empresas, o da direita e o da esquerda". (O Estado de São Paulo ‘Geral’ Domingo, 16 de fevereiro de 2003)
Maria Aparecida Bento ratificou o que havia apontado. Quando se trata de defender os privilégios que se tem no Brasil por ser branco, une-se o branco de esquerda e direita. A situação é mais complexa, a respeito de relação “racial” o branco inovador pode tomar atitude conservadora do mesmo modo o conservador agir de maneira inovadora. Como se explica José Sarney ser autor de um projeto de lei que visa combater o racismo? Como se explica Marcos Maciel escrever a favor de políticas compensatórias voltadas para negros? No artigo “A questão étnica no Brasil”, publicado na “Folha de São Paulo” em 18 de novembro de 2000, o ex-vice-presidente escreveu:
"Vencer o preconceito que se generalizou e tornar evidente o débito de sucessivas gerações de brasileiros para com a herança da escravidão que se transformou em discriminação são apenas parte do desafio. Se vamos consegui-lo com o sistema de quotas compulsórias no mercado de trabalho e na universidade, como nos Estados Unidos, ou se vamos estabelecê-las também em relação à política, como acaba de fazer a lei eleitoral, com referências às mulheres, é uma incógnita que de antemão ninguém ousará responder".
O branco de direita não se aproxima do “negro militante”, negro que combate o racismo, quanto ao branco de esquerda ele vem com um “sorriso largo”, sempre acontece o que disse o “velho militante”: (...) quando um branco dava um sorriso para o negro, o negro tinha que aceitar aquilo como favor (...) é um dos preconceitos mais safados que pode haver. (...E disse o velho militante José Correia Leite p.21). Sobre questão “racial” o branco de direita é menos hipócrita, “mais safado” esta é a característica que podemos distinguir o branco de esquerda e direita.
Se o branco de direita pedir seu voto não será redundante na promessa que combaterá a desigualdade “racial” por defender a “democracia racial” evitará o tema. O branco de esquerda além de alardear o combate ao racismo criará núcleos em seus partidos para tratar desta questão, não dará importância necessária porque reduz o problema de relação entre negro e branco a “luta de classe”.
O branco de esquerda, além dos votos, insiste para que o negro entre em seus partidos, entidades, ONGs, associações para submeter o negro as suas idéias e direção. Eldridge Cleaver teorizou que o branco, simbolicamente, considera: “O negro como corpo e o branco como cérebro: o corpo deve ser submetido ao cérebro” (Alma no exílio p. 52-53). O branco procura submeter o negro, aceita que o negro vá longe “torne-se ministro”, jamais assumir o poder principal.
Entre branco racista de direita ou esquerda mais ou menos hipócrita os dois são deploráveis, compete-nos combatê-los. Sobre a participação do negro em partidos políticos de esquerda ou direita sustento a opinião do Correia Leite (1992, p.210): "(...) Eu sou contra se dividir politicamente. Agora, as pessoas podem participar de partido político, mas não dizendo que com isso vão resolver o problema do negro, quando estão divididos em um partido branco".
A branca Edith Piza (e outros estudiosos negros e brancos) que estuda relação “racial” problematizando o branco, chama-nos atenção que a discriminação “racial” não é um “problema do negro” e sim “problema de relação ‘racial’”, o branco é igualmente responsável. Se o branco, independente de sua classe, não lutar contra os privilégios que possui na sociedade brasileira, simplesmente por ser branco. Ele não estará contribuindo para construção de uma sociedade humana.

Ele evoluiu tanto a ponto de escrever a frase racista

Lourenço Cardoso
(texto escrito em 1999 publicado In: PUC-VIVA,
APROPUC-FAPUC, São Paulo)



“Negros, voltem para a selva, seus primatas”. Esta frase foi escrita, no banheiro da faculdade de Ciências Sociais por alguém que certamente está incomodado de ver tantos negros na PUC-SP. Quantos negros serão? Provavelmente menos de um por cento do total de alunos. É inegável que é muito pouco, estes poucos incomodam... Para os racistas é um absurdo negro estudando. Esta não é a função do negro, a sua função é “limpar o que o branco sujar”.
O professor Leonardo Trevisan, formado em história na USP, em seu livro Abolição um suave jogo Político? Desenvolve esse tema no capítulo chamado: “Por que ‘negra é’ a mão que faz a limpeza ?.” O geógrafo Milton Santos assegurou: “a universidade é o lugar para pensar”. Se for assim, o que os outros negros fazem lá? “Esses que teimam em não limpar”. Será que esses poucos negros estão indo estudar?
A universidade, segundo alguns professores universitários, “é o lugar da excelência”. Se a universidade é “o lugar da excelência para pensar”... entendo a preocupação do racista ao escrever: “Negros, voltem para a Selva, seus primatas”, racista cujo nome não citarei porque ele não assinou.
Ele ao escrever talvez estivesse querendo lecionar antropologia, talvez estivesse querendo dizer que existe a hipótese de que o homem saiu da floresta para a savana, e evoluiu... Talvez ele queira dizer que os negros saíram da floresta e não evoluíram... Talvez ele seja branco e queira dizer que os brancos, ao contrário dos negros, evoluíram. Talvez ele queira dizer que ele [branco] evoluiu tanto a ponto de escrever a frase racista.
Frase que para a maioria não tem a menor importância, é um ato de vandalismo, que me faz lembrar as frases semelhantes contra os judeus que resultou na morte de aproximadamente seis milhões de judeus. Fato que levou muitos a dizerem “pobre dos judeus”, e ninguém se lembra dos negros e nativos. Quantos morreram? 40 milhões... 400 milhões?...
Existem muitos pesquisadores brancos estudando o negro, “o negro é pertinente”, o negro é um “objeto de pesquisa excelente”. Esses brancos de tanto estudarem tornam-se autoridades no assunto, a ponto de dizer ao negro quando ele é vítima de racismo. Chico Buarque quando canta “Eu quero lhe dizer que a coisa aqui tá preta” na música Meu Caro Amigo (que compôs em parceria com Francis Hime) para alguns doutores não pratica racismo, afinal ele é “unanimidade nacional”.
Apesar de que, para os doutores, talvez não exista unanimidade para Nélson Rodrigues: “Toda a unanimidade é burra”. O mesmo Nélson que comentou com Abdias do Nascimento, na época em que escreveu Anjo Negro: “No Brasil o negro é pior tratado do que nos Estados Unidos” relatado em Anjo Pornográfico de Ruy Castro onde aparecem frases como esta (da página 393): “Por que Nélson ajudaria alguém acusado de ‘denegrir’ o Brasil no exterior? E ainda mais que esse ‘negrume’ se referia às torturas”. É preciso perguntar aos doutores se Ruy Castro foi racista nesta frase. Eles que se dedicam anos e têm como objeto de pesquisa o negro. Para o mercado os negros não são “seres humanos”, são consumidores. Para esses estudiosos brancos, o negro também não é um “ser humano” é “objeto de pesquisa”.
O sociólogo Florestan Fernandes (numa reportagem à Folha, em 20 de Agosto de 1995 a dez dias antes de sua morte) comentou a Integração do negro na sociedade de classes: “A integração... é o trabalho mais importante que fiz, tanto em termos empíricos quanto teóricos. O título já é dialético que fala de uma integração que não houve”. Um dos colaboradores do Florestan nesse livro foi o José Correia Leite, a quem Florestan prestou uma homenagem na Câmara dos deputados, em 20 de Março de 1989:
“José Correia Leite homem de origem humilde, batalhador, negro, que foi um dos pioneiros dos movimentos sociais que se organizaram em São Paulo para desmascarar a situação que viviam os negros”. - Acrescentou: “José Correia era modesto, mas realizou tarefa intelectual e política de um grande homem, aliás, de um grande homem em escala nacional[1]”.
No livro E disse o Velho Militante, do escritor Cuti, há uma frase de José Correia Leite que serve aos brancos que se julgam especialistas: “Não estou discutindo títulos e sim idéias”. O doutor imbeciliza-se quando afirma ao negro com a autoridade do seu título: “Isto não é racismo, você está com complexo de perseguição”.
Quanto à frase racista hipoteticamente arriscarei uma estatística. Vamos supor que: “ a cada ‘50’ brancos ‘3’ negros vejam a frase. Desses ‘50’ brancos, uns ‘2’ amigos de ‘preto’, não aprovem a frase e até comente com seu colega ‘preto’ que ele deveria tomar providência. Dos ‘3’ negros para ‘50’ brancos, se ‘1’ negro se indignar ao ler a frase racista, será um fato extraordinário...”
Pois o branco mandou o negro não se importar quando negam sua integridade humana. Não foi esta a ordem? Se a cada “3” negros ao lerem a frase racista somente “1” esporadicamente fica indignado, parece óbvio que a ordem é essa.
Os negros universitários decepcionam-me porque são muito obedientes aos brancos. Eles saem da periferia pagam uma, duas ou mais conduções, chegando na universidade não estranham o fato de praticamente não existirem negros. Eles ignoram Milton Santos para eles a universidade não é “lugar para pensar”, eles estão lá para ascender socialmente, para se integrar, para namorar e, “se deus quiser”, casar, assim seus filhos nascerão mais claros, e certamente terão uma vida melhor. Gil e Caetano na Música Haiti cantam: “Todos sabem como se tratam os pretos”.
Viver no ostracismo não dá, o melhor é se “integrar”, ouvir piadas racistas e rir, “pois o branco manda rir”. Eles repetem discursos: “Os negros que não chegam as universidades são preguiçosos”.
A Educafro - Educação e Cidadania para afro-descendentes e Carentes adaptou um documento que denominou: SETE ATOS OFICIAIS QUE DECRETARAM A MARGINALIZAÇÃO DO POVO NO BRASIL. Para se ter uma idéia cito apenas dois deles:
“O 2º Ato Oficial: Lei ‘Complementar à Constituição de 1824’ que impedia os negros de freqüentar escolas, pois eram considerados doentes de moléstias contagiosas e o ‘4º Ato Oficial, sobre a Guerra do Paraguai (1864 - 1870)’ que foi um dos instrumentos para reduzir a população negra do Brasil.”
Nem todos repetem esses discursos. Existem negros dedicados em estudar o negro. Esses negros ficam felizes quando aparece outro negro na universidade, se preocupam em despertar sua “consciência racial”, fazem amizade e logo profetizam: “você tem que ler os livros!”
O negro, feliz, querendo se informar diz: “Que ótimo! Empreste-me”. Esses negros recusam, temem que seu livro seja roubado, e pede para o “mano” tirar cópia, o “mano” não tem dinheiro. Esses negros universitários são “conscientes”, afinal lêem em excesso a ponto de esnobarem: “se você quiser falar comigo tem que ler”. Esses negros provavelmente não conversam com seus “manos” das periferias onde moram, sobrando-lhes os poucos negros universitários “conscientes”, e alguns brancos, que apesar de serem esmagadora maioria da universidade, poucos são os que lêem.

[1] Florestan Fernandes “Significado do Protesto Negro”

DOIS BROWNS

Lourenço Cardoso
Roberto C. Camargo
(texto escrito em 2001 publicado In: Pobre, Ano I, Edição 1, Setembro/Outubro, São Paulo, 2001, p. 11-16)

No início do ano dois fatos/acontecimentos chamaram-nos atenção.
Fato I: Mano Brown arrebentou no show de RAP realizado no Anhembi (13.01.2001), é óbvio, que outros rappers tiveram o mesmo desempenho. O Milennium RAP reuniu cerca de 40.000 pessoas oriundas das camadas pobres da população paulistana e paulista.
Podemos dizer que os pobres, moradores da periferia, deram seu recado, e muito bem, aos agentes dominantes, ao contrário, do que alguns, poderiam supor, o evento deu grande prova de organização e capacidade dos manos, em relação ao RAP, mostrou que não “devemos nada pra ninguém”.
Fato II: Pela tevê nos deparamos com uma cena grotesca, aterradora. Carlinhos Brown, cantor baiano, foi literalmente “atacado”, “agredido”, “insultado”, “humilhado”, pelos espectadores do grande festival de Rock, denominado pelos agentes promotores de “Rock in Rio III”.
Brasil, terra do samba, carnaval, e assim vai..., com este festival de Rock, mostrou sua verdadeira face: eurocêntrica, estadunidense. E por que não branca, racista, desrespeitosa, estúpida.
Carlinhos Brown, para quem não sabe, é negro, casado com a filha de Chico Buarque, soteropolitano, mais específico do Morro do Candeal Pequeno, em que realiza trabalhos comunitários, ponto em comum, com Racionais MC´S, Negritude Jr., e outros.
Vivemos dois mundos: “jardins e Capão Redondo”, tanto um, quanto outro, têm manos cabe-nos orgulharmos do que somos: negro brasileiro. Acabou-se a farsa de que somos um país “tolerante” e “democrático”.
Dois “neguinhos”, um do Capão, outro do Candeal, o primeiro simboliza a grande massa de negros, mestiços, nordestinos, toda a periferia deste país. O outro, apesar do trabalho comunitário, não inspira, não simboliza, LUTA. Trata-se do humano, de pele escura, que pensa aceito pelo humano de pele clara que se elegeu superior.
No Millenium RAP Mano Brown no show reclamou com os gringos que queriam invadir o palco por não agüentar a espera. O público em sua maioria, negra, negro, branca, branco, pobres preferiram os artistas, os músicos, brasileiros ao invés do estrangeiro.
No Rock in Rio III, rock estilo musical de origem preta, o público branco, branca, negro, negra, classe baixa, média, alta, não suportaram vê o preto, um dos ícones do estilo musical que a industrial cultural denominou Axé Music, porque estavam presentes para aclamar os gringos, esperavam Guns in Roses e Oasis.
Beth Carvalho madrinha de sambistas consagrados: Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão; e a revelação “Quinteto em Branco e Preto” disse em entrevista a Mauro Dias da Agência Estado (18.01.2001): “Esse grupo [Guns in Roses] deveria ser processado por racismo (...) Eles têm uma música chamada One in Million na qual falam que negro fede e tem que morrer. Isso é crime”.
O cruel que beira ao ridículo do ocorrido no Rock in Rio III, não se resume à frase racista: “Coitadinho do Carlinhos! Coitadinho do neguinho!”. E sim, ao fato de ele ter sido vaiado por brancas, brancos, negras, negros que esperavam para ovacionar uma banda estrangeira racista. Estas pessoas mostraram sua face de povo colonizado e de total alienação. Os peles pretas, peles claras, peles brasileiras de múltiplas tonalidades com complexo de inferioridade, não perceberam que vaiaram a si mesmos, por ignorar, por apenas querer consumir.
É como se neonazistas que matam homossexuais, pretas, pretos, nordestinas, nordestinos..., em praça pública, (exemplo do que aconteceu na Praça da República, S.P, que foi divulgado na mídia) fossem ao Congresso Internacional de Neonazistas na Alemanha. Os pobres, em especial, as pretas e os pretos, parece absurdo, mas existem neonazistas peles escuras filhos de metalúrgicos desempregados que são contra os nordestinos. Esses “menos brancos” pobres que são os mais dedicados, os mais preocupados em serem aceitos, (ser aceito preocupação de Machado de Assis, Alexandre Pires, Pelé, Ronaldinho, Carlinhos Brown, entre outros...) receberiam uma passagem gratuita, presente de grego, mas eles ficariam felizes.
Lá chegando no Congresso Internacional Neonazista com a foto do Hitler na camisa, com o livro “Minha Luta” na mão, e na outra com álbum de seres inferiores que mataram, os neonazistas puros, (temos dúvidas sobre pureza, mas se eles dizem que são puros, acreditamos) lhe fariam duas perguntas, é óbvio em alemão: Vocês são loucos? Quem traduziu o livro do Hitler?
Neonazista puro é de uma imbecilidade que só perde para neonazista latino, neonazista argentino, brasileiro. Imbecilidade semelhante à atitude das pessoas que vaiaram Carlinhos. Atitude imbecil porque reflete a falta de uma mínima compreensão individual e social.
Meio as vaias Carlinhos cantou o hino nacional, numa atitude: “Aceite-me, sou brasileiro como vocês!” Este artista, se esquece, que o negro jamais foi aceito no Brasil pois se não somos os “Estados Unidos”, devemos ao atraso que trouxe ao país os povos inferiores, e ainda preguiçosos, que vieram da África. É só comparar! Os italianos vieram depois e têm padaria, os japoneses um bairro. Quanto os peles pretas? Cidade Tiradentes, Capão Redondo... repletos de pobres, infestados de minas e manos que não são o povo de Carlinhos:

“Que sociedade? Ele (Negro) é que se transforma em excluído. Eu por exemplo, sou um homem miscigenado no Brasil e digo com alta firmeza: adoro pertencer à etnia da África, mas não queria nascer lá de jeito nenhum. Naquela miséria? Com Ebola, com gente morrendo de fome? Aquele é lugar pra mim? Não é. A África com toda sua fragilidade, aceitou ser colonizada, escravizada. Isso é coisa de um povo fraco. Isso não é o meu povo. Meu povo tem força, é rei. Sabe sobreviver do caos. Meu povo é o mesmo que construiu o Brasil, mas um que não se deixa engolir pelo Brasil” (Revista Raça Brasil Ano 1 Nº 1, Setembro, 1996, p. 12-3)

Este trecho da entrevista de Carlinhos indica sua postura política e seu pensamento em relação à sociedade brasileira, em especifico, aos seus semelhantes de pele preta, que lembra em alguns aspectos o que foi escrito por intelectuais e cientistas sociais brancos racistas: Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Silvio Romero, Paulo Prado, Nina Rodrigues. Que diz cada com sua particularidade: “povo fraco preto, povo forte branco, povo inferior, povo superior”.
Carlinhos se difere da maioria dos brasileiros, conhece sua origem. Os povos de peles pretas devido à maneira que foi o tráfico de africanos para costa brasileira com a separação das famílias não conhecem seus povos originários. Carlinhos Brown conhece, “seu povo é rei”. Carlinhos assim como o público que o vaiou, é outro imbecil que iria ao Congresso Internacional Neonazista Alemão, aliás tem dinheiro para pagar a própria passagem. Sua atitude inconsciente, ignorante, de reproduzir intelectuais brancos racistas, indica que iria. Talvez até responderia as duas perguntas em alemão.
Mano Brown, ele povo, e, seu povo, é muito diferente do povo de Carlinhos Brown, aliás, Mano é oriundo do “povo fraco”, “povo pobre”, “povo periferia” que citou Carlinhos, sobre a música que produz, o RAP, Carlinhos tem a seguinte opinião: “Isso é (O RAP) a aceitação da miséria e o não saber reinar sobre ela.” (Revista “Raça Brasil” Ano 1 Nº 1, Setembro, 1996, p. 13).
Carlinhos Brown, outra vez, demonstra falta de informação em seu conceito sobre RAP, que é um estilo musical que faz parte do Movimento HIP HOP que se expressa também no break e grafite. Na tese de mestrado do Grilo[1], “No Ritmo do RAP: Música, Cotidiano e Sociabilidade Negra São Paulo 1980 – 1997”, está conceituado RAP gospel, RAP romântico, no entanto, o que mais se destaca no Brasil, é o RAP político, RAP de denúncia social, que é a essência do próprio Movimento HIP HOP, em outras palavras, diríamos que o caráter político e de entretenimento, é essência do Movimento HIP HOP como indica Kljay, falando especificamente sobre RAP:

“Todo segmento musical corre o risco de virar pop, comercial, e no RAP também vai ter isso, mas, acredito que o outro lado, o lado político é o mais forte do que esse comercial.” (revista “abayomi, arte, informação e cultura”, edição única, janeiro 2000, p. 13).

No caso do Axé Music, a essência é o lúdico que foi, e ainda é, explorado pela indústria cultural, “máquina de moer cultura”, que ambiciona ter em suas mãos o RAP, que segundo Ice Blue “é a música mais popular do momento”, devido ao sucesso que foi o Millenium RAP, que não teve praticamente nenhum patrocínio, diferente do Rock in Rio III, não restam dúvidas que o rapper tem razão.
Cabe ao Ice Blue, Edi Rock, Kl Jay e Mano Brown, explicar melhor, como será a relação com a Sony, pois os argumentos de Blue no Bate Papo da UOL (11.01.2001) não convenceram:

“Hoje eu não tenho mais 18 anos, nem 20, sou pai de quatro filhos. Não adianta ficar com ilusão. Têm várias camisetas piratas, discos piratas dos Racionais na rua. O Racionais hoje vende 1 milhão, 2 milhões de discos, e isso não dá pra ser distribuído por um selo independente. Estamos preocupados em cercar os caras que ganham dinheiro às nossas custas e atender o público mais rápido.”

Os argumentos do Ice Blue é típico de um empresário, de um capitalista. Os caras que Ice Blue, que neste caso representa os Racionais MC´S., ou seja, os caras que os Racionais MC´S “estão preocupado em cercar porque ganham dinheiro as suas custas” são pobres, vendedores de discos piratas, e para cercá-los associaram-se a Sony, empresa multinacional, atitude lógica, sensata, inteligente, do ponto de vista capitalista.
Inexorável do ponto de vista social, pois dificulta, impede (não totalmente) a divisão dos lucros do produto cultural colido na sociedade, com a própria sociedade, com pobres moradores da periferia cantada nas músicas dos Racionais MC´S e outros grupos e músicos. Esta lógica empresarial, levada às últimas conseqüências, (se fosse possível) transformaria a miséria em produto cultural que visa o lucro para duas empresas “Cosa Nostra” e “Sony”.
No “Vídeo Music Brasil 98”, na MTV, Carlinhos Brown foi o apresentador, os Racionais MC´S ganhou o principal prêmio, o encontro entre Carlinhos e Mano foi inevitável, não poderia ser diferente, devido à postura dos Browns, o encontro não foi amistoso. Enquanto Carlinhos teoriza sobre “povo preto brasileiro fraco”, herança dos escravos africanos que “deixaram ser escravizados” para Mano Brown a História é outra:

“(...) Muitas pessoas insistem em perguntar porque os afro-americanos conseguiram espaços em tantos setores da sociedade americana e os brasileiros não conseguiram muita coisa, além de Pelé e... Não sabemos com quem lutar, todos dizem que são nossos amigos. Nos Estados Unidos a arma é apontada pela frente, os brancos de lá são menos covardes. No Brasil a arma é apontada pelas costas. A segunda posição é mais cômoda para quem segura a arma e torna a defesa mais difícil para quem é o alvo.
Um exemplo simples: Ku Klux Klan – organização de extrema direita branca que agia no sul dos Estados Unidos atacando pessoas negras declaradamente; Grupos de Extermínio – os ‘pés-de-pato’, como são conhecidos aqui na zona sul de São Paulo e Rio de Janeiro, matando mais que KKK e o FBI juntos. Só que não é divulgado que a cada dez mortos, sete são negros; justiceiros grupos de extrema direita, formada por pessoas brancas, negras, pardas, policiais, bandidos, comerciantes (...)” (Trecho extraído do texto “Revolução” de Mano Brown, publicado originalmente na Revista Trip 38, republicada na edição Ano 12).

Quando Mano Brown escreveu “Revolução”, tinha 24 anos, três anos depois, cantaria: “Permaneço vivo, prossigo a mística! 27 anos, contrariando a estatística!” (versos da Música “Capítulo 4 Versículo 3”). Este texto, além de outros temas, oferece uma lúcida comparação entre o racismo brasileiro, e o estadunidense, o exemplo dado, que compara a Ku Klu Klan com os Pés-de-Pato é brilhante, pois além de denunciar extermínio de pobres, que “a cada dez, sete são negros” deixa evidente que no Brasil a organização dos negros é mais difícil porque o racista não se assume, “atira pelas costas”, age na calada da noite, razão a qual Suely Carneiro, filósofa, coordenadora do Geledés, diz: “no Brasil se produziu a forma mais perversa de racismo no mundo.” (Revista Caros Amigos ano III, Nº 35, fevereiro, 2000 p. 1)
É de estranhar, que Mano Brown, avesso à mídia, tenha concedido entrevista a Trip revista voltada a juventude classe média e alta, branca. A entrevista foi superficial, muito superficial se compararmos com sua entrevista na “Caros Amigos”, mesmo assim, não deixou de ser interessante, polêmica e tola. Não podemos deixar de ressaltar a tolice dita por Mano Brown ao responder a pergunta se a educação muda a realidade:

“Mesmo estudando, é 500 anos. Nossa geração não vai ver essa porra melhorar. Estão é perdendo tempo na escola. Dez, 12 anos na escola, está perdendo tempo. Camarada meu só tirava nove e dez. O máximo que ele conseguiu chegar foi a bancário. E agora está desempregado porque participou de greve nunca mais arranja emprego.”

Equívoco de Brown, tolice, o que disse não se sustenta, pois no sentido radical, no sentido profundo a escola é o lugar (formal) para busca do conhecimento, e não para busca do emprego, ou ascensão social, nunca se perde tempo em aprender, nunca se perde tempo com o conhecimento.
Muitos integrantes do Movimento HIP HOP, incluindo os Racionais MC´S, discursam que o povo deve se armar com informações. Conhecimento, informação não se encontra apenas nas ruas, encontra-se também nas academias, o fato de Mano Brown ter conseguido ascensão social como artista não quer dizer que todos conseguirão, se seguirem o mesmo caminho, ele é exemplo individual, assim como seu “camarada”.
A crítica as Instituições de Ensino, além de externas, convém serem feitas em seu interior. Os manos, as minas, as pretas, os pretos, o pobre é a subversão que as academias necessitam em suas entranhas para que possam superar sua mediocridade, em alguns aspectos, e deixar de ser uma ilha, habitada em sua maioria, por brancas e brancos, classe média e alta. Contudo, não podemos deixar de reconhecer que antes de aprender a pessoa tem que comer. Sem emprego para sobreviver às alternativas são indignas ou ilícitas.
Mesmo com suas contradições Mano Brown está muito distante de Carlinhos Brown. Mano é péssimo, machista (assim com os outros integrantes do grupo Racionais MC´S) quando se refere às mulheres; excelente, de rara sensibilidade, como: letrista, poeta, intérprete político.
As pretas, os pretos, pobres, moradores da periferia têm poucas referências brasileira, praticamente inexiste um negro de destaque que aborda questões raciais, com firmeza e coerência. Razão a qual faz com que Mano Brown se diferencie, disse Grilo numa conversa informal: “Mano Brown é uma espécie de Malcom X brasileiro”. É perceptível a influência de Malcom em Mano Brown, assim como no próprio Movimento HIP HOP.
Mano Brown que fez com que pobres comprassem a revista Trip; Mano que prestou depoimento ao preto que se tornou mestre[2]; Mano que prestou depoimento à branca que se tornou doutora[3]; Mano que quarenta mil minas e manos param para ouvi-lo. Como disseram a respeito de Malcom: “Muito poder para um homem”.
Nesse sentido a indústria cultural e a sociedade capitalista branca dizem: “Precisamos achar um jeito de lucrar com este poder”, e o pior, que os manos e as minas estão, de certo modo, acatando e dando as costas ao Movimento HIP HOP, exemplo: Pavilhão 9, “ex-banda de RAP.”
Em relação ao Carlinhos, suas contradições são inaceitáveis, quando diz: “povo africano fraco” está falando a respeito de si mesmo, sem saber, ao se referir às pretas e pretos, é como se olhasse no espelho e repetisse palavras que não são suas. Seu comentário sobre a platéia que o humilhou lhe cabe: “(...) Precisam aprender a entender o Brasil”[4].
Mano Brown já mostrou que não é preto quando lhe convém, quanto a Carlinhos Brown, temos dúvidas. Muitos pretos e pretas, uns até militantes do Movimento Negro, assumem-se negros quando podem tirar vantagem, aliás, militar é uma palavra infeliz, sugere “receber ordens sem pensar, sem questionar”; ativista..., Ativista Preto, preferimos. Mano Brown, mesmo com suas contradições e equívocos, além de rapper, é sem dúvida, dos pretos “populares”, o Ativista Negro mais coerente.

[1] Grilo, pseudônimo de Amailton Magno Azevedo, Músico, Mestre em História Social, PUC-SP.
[2] Mano Brown prestou depoimento para Grilo para sua tese de mestrado já citada.
[3] Mano Brown prestou depoimento para tese de doutorado de Maria Eduarda de Araújo Guimarães intitulada: “Do Samba ao RAP”
[4] “Isso não aconteceria na Bahia, afirma” reportagem de Israel do Vale e Pedro Alexandre Sanches, publicada na “Folha Ilustrada” em 15 de janeiro de 2001.

domingo, 15 de novembro de 2009

Racionais MC's versus preconceito da mídia

Lourenço Cardoso
(Texto escrito em 2002 publicado In: http://www.apropucsp.org.br/jornal/jornal_415.htm)

A matéria “Tem disco novo dos Racionais, tá ligado?” assinada por J.M no jornal Estado de S. Paulo, Caderno 2 (18/07/2002) que informa sobre lançamento do mais recente “disco” dos Racionais MC’S: Nada como um dia após o outro está enxurrada de comentários irônicos, desdenhosos e pejorativos. Em síntese, o jornalista sustenta que: o novo trabalho dos Racionais não tem profundidade, nada traz de novo, o único mérito que possui é de ser o melhor do gênero porque os outros rappers são péssimos[1].
J.M ofende e acusa os Racionais de ignorantes: “Esquizofrênicos, falam de coisas que não conhecem, disparam a torto e à direita” E mostra-se ignorante: “Em A Vítima, Mano Brown usa o rap com um sentido terapêutico, lembrando de um acidente que protagonizou na Marginal em 14 de outubro de 1994”.
Este jornalista erra quando coloca Mano Brown como protagonista do acidente na Marginal Pinheiros se tivesse lido seu concorrente não daria esta gafe:

" ‘A vítima’ - No disco essa é a faixa número 6, ela merece uma atenção especial, pois nela Edi Rock relata um acidente ocorrido há quase oito anos atrás. (...)’" (http://www2.uol.com.br/manuscrito/especiais/especial004.shtml)

J.M alimenta sua estupidez ao escrever sobre o que não conhece e compreende... Caro jornalista, antes de escrever faça uma pesquisa mínima! Não é o Mano Brown o protagonista envolvido no acidente, é o Edi Rock, Mano Brown estava em outro carro. Este jornalista ousa escrever sobre os Racionais; tece criticas e atesta não conhecer os componentes do grupo.
Outra tolice, de J.M foi ao comparar os Racionais com os personagens que aparecem no filme A Hora do Show: “[Racionais] Alternam pieguice com pregação da violência e muita confusão ideológica, como a daqueles militantes do filme Show Time, do Spike Lee, que seqüestram o sapateador para linchá-lo via satélite”.
Se fosse cuidadoso, não se concentrasse em escrachar... chegaria a concretude que os Racionais têm mais semelhanças com o Lee do que com uns dos seus personagens caricaturais, nesta obra de Lee a critica essencial é a respeito do negro estereotipado.
Ao ler as matérias dos veículos grandes de comunicação, ao ler “J.M’S” lemos jornalista que escreve, não jornalista que pensa, diferença substantiva. Basta de picarescos que falam a respeito do pobre com menosprezo, basta de covardes classe média e alta branca que esconde seu nojo, seus valores, suas ideologias. Para que não leiamos bufões (como J.M revelou-se ao escrever “Tem disco novo dos Racionais, tá ligado?”) os jornais, as revistas... deveria enviar o estúpido aos “Estudos Humanos”. Por infelicidade, não resolverá.
Há pessoas com complexos de superioridade, com ideologia de superioridade que se dedicam em estudar a humanidade para obterem maior bagagem para justificar suas práticas desumanas. Talvez o bufão poderia... ler mais..., observar a realidade; ou fazer qualquer coisa que o leve “parar de repetir slogans e pensar”[2].
Se formos rigorosos na leitura do “tá ligado?” encontraremos, além de falta de pesquisa mínima..., preconceito, ignorância, prática de racismo: “Chora agora abre com barulho de tiros e cachorro latindo, antecipando a trilha sonora de periferia braba”
Nesta minha afirmação, (com meu “cuspe na cara”, com meu manifesto, com meu texto panfletário???) talvez J.M também me compare aos personagens d’ A Hora do Show, sem saber se sou: branco, azul, lilás, vermelho, amarelo, escuro, preto, negro...
“Tá ligado?” é tão “claro!” J.M talvez seja Tipo Ideal: branco filho da classe média e alta que fala inglês e tem horror a dialetos periféricos: “[O disco dos Racionais] É um trabalho permeado de diálogos de brodagem entre manos da periferia”.
Talvez seja outro modelo: negro pobre que pensa ser classe média, Tipo: ...homem cordial, amigo do branco chefe da redação, neste caso, Frantz Fanon explica em Peles Negras Máscaras Brancas[3].
Quero mandar um salve para todos os doutores, poucos admitem que no RAP existem bons letristas, e esses, são unânimes em assegurar: “apesar de letristas, não são músicos”. Mantêm a “ideologia racista”. Quero mandar um salve para música clássica alemã. O pobre está impossibilitado de compor música. A impossibilidade é intelectual; temporal e geográfica.
Quero mandar um salve para o branco que adora “samba do crioulo doido”. O Movimento HIP HOP é o cachorro louco que não podem encoleirar. Quero mandar um salve para os veículos de comunicação que odeiam os Racionais, mesmo depreciativamente, são obrigados a divulgá-los.

[1] Este texto foi publicado anteriormente com outro título.
[2] Slogan de Milton Santos
[3] Frantz Fanon. “Pele Negra Máscaras Brancas” Rio de Janeiro, Fator, 1983.