quinta-feira, 8 de abril de 2010

A branquitude ressentida e Barack Obama

Barack Obama foi o primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos. Ele em sua campanha procurou desvincular sua imagem da idéia de raça. No jogo das identidades, apelou para sua identidade nacional, distanciando-se da identidade racial. O senador argumentou que era mestiço: filho de mãe branca americana e pai negro africano. A idéia implícita que o senador procurou passar durante o desenrolar da disputa eleitoral foi que a raça não era importante. Ele enquanto candidato ambicionou tanto os votos dos brancos, quanto dos negros, assim como todos os políticos, procurou angariar votos sem distinção.
Será que a raça não é realmente importante? Se a raça não fosse relevante por que o senador Barack Obama teve de enfatizar esse recado de maneira direta e inequívoca, e também muitas vezes de forma implícita? Talvez mais adequado seria o senador sustentar que a idéia de raça não deveria ser considerada relevante, ou seja, no sentido de ser um fator de vantagem e desvantagem.
Entre os negros norte-americanos a maioria votou em Barack Obama; negros que são pessoas distintas, inclusive pertencentes ao Partido Republicano, que disputou com o Partido Democrata do presidente eleito, que também teve a maioria dos votos dos latinos, isto é, voto étnico. Portanto o resultado apontado na apuração indicou o dado racial e étnico, como elemento significativo que influenciou a escolha.
Em sua campanha, quando o Barack Obama “falou”, ou se “calou” estrategicamente sobre sua pertença racial, sua intenção seria justamente de não perder votos porque é negro. Todavia, aceitou de bom grado os votos recebidos por causa de sua pertença racial. O presidente Barack Obama foi considerado negro aos olhos da opinião pública mundial, especialmente por causa das imagens e notícias veiculadas pela mídia, apesar do Srº Obama ter se esquivado dessa identidade racial, durante o decorrer de sua campanha.
A branquitude - que seria a identidade racial branca[1] -, sempre se vangloriou de sua condição de poder imanentemente superior, neste momento, com a vitória de Barack Obama a branquitude começa a tomar também para si o argumento de que a raça não é importante. Porém, se trata de uma branquitude ressentida que passa a sustentar esse discurso, porque não suporta ver, ou pior, ser obrigada a obedecer um negro que se encontra num nível hierárquico superior, daquele que ele historicamente sempre ocupou.
Por isso, neste momento, ouviremos muitas vezes da “boca” da branquitude o discurso: “de que o negro não seria negro”, “assim como branco não seria branco”, “mesmo porque a raça não existe”. Contudo no íntimo a branquitude ressentida, simplesmente não admite estar num patamar inferior ao negro. Até o presente momento na história norte-americana, nenhum presidente necessitou deparar-se com a idéia de raça presente e persistente a todo instante em sua campanha de forma direta ou indireta. Logo, o argumento de que a raça não é importante possui intenções diferentes, que dependerá muito da pessoa, ou grupo que o professa.
Nesta perspectiva da abolição do conceito de raça, destaca-se o intelectual Paul Gilroy[2]. Esse autor propõe o abandono da utilização política e analítica da idéia de raça, porque esse seria o melhor caminho para o fim do racismo, levando-se em consideração que a raça não deixa de ser uma idéia que o opressor inventou.
No caso da branquitude ressentida, a idéia de que a raça não existe seria defendida por causa da sensação de incômodo do branco, que entra em crise quando se depara com um negro num cargo de maior poder e prestígio, que é a posição que o branco sempre ocupou. A convincente vitória eleitoral de Barack Obama expõe essa branquitude ressentida. Nos Estados Unidos ela poderá ser encontrada expressa nos discursos dos brancos eleitores, ou simpatizantes do Partido Republicano que apoiaram o senador branco John MacCain.
O presidente “negro” (ou talvez “mestiço”), o Srº Barack Obama também expõe a branquitude revoltada, expressa na branquitude acrítica[3]. Essa branquitude acrítica refere-se aos brancos que não desaprovam o racismo publicamente como, por exemplo, os membros dos grupos neonazistas e da Ku, Klux, Klan, que já ameaçam assassinar Barack Obama. Simplesmente porque ele seria negro, ou, talvez, mestiço que possui uma parte negra, que seria para eles inaceitável. Mesmo porque eles seriam “brancos puros”, por isso, únicos cidadãos autenticamente estadunidenses.

[1] Acerca da branquitude confira: CARDOSO, Lourenço. O branco “invisível”: um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (Período: 1957 – 2007). (Dissertação de mestrado), Faculdade de Economia e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, 2008. Também CARONE, Iray e BENTO, Maria Aparecida da Silva (org.) (2002), Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

[2] Acerca do fim da idéia de raça confira: GILROY, Paul (1998), “Race ends here”, Abingdon, Oxford: Ethnic and racial studies, vol. XXI, nº 5, 838-847.

[3] Acerca da branquitude acritíca confira: CARDOSO, 2008: 178-180.

Lourenço Cardoso

2 comentários:

  1. E aí Lourenço, muito bom seu post.
    Como faço para acessar sua dissertação?
    Estou desenvolvendo doutorado em História, um estudo comparado sobre raça e identidade no Brasil e em Cuba na segunda metade do século XX.
    Tudo de bom!

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  2. Valeu pelas referências Lourenço!
    Faz aproximadamente dois anos que tomei contato com questões racias, na universidade; o primeiro deles foi com minha atual orientadora da inciação científica (Maria Nazaré Mota de Lima) quando ele me pediu para escrever um texto sobre mim mesmo. Na ocasião, apesar de minha ignorância sobre o racismo no Brasil (!), lembro ter escrito sobre minha tristeza pela vitória de Obama a presidência; não porque ele é negro, mas porque esse fato fazia diferença para o mundo inteiro, o que considerava inaceitável a esta altura da existência humana.
    Compartilho a crença de que antes de qualquer diferença, somos dignos do mesmo respeito, e como ser humano educador, naturalmente oriento minhas ações de acordo com este princípio.
    Um forte abraço!

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